— Apresenta-se Denis O'Donell, senhor. Cartógrafo de primeira, ao serviço do Exército. Disseram-me que queria ver-me.
O coronel Morgan olhou com expressão cansada para o civil
que estava diante da sua secretária.
O coronel Morgan não gostava dos civis que serviam o
Exército sem uniforme, cartógrafos, guias, peritos em idiomas índios e todos os
outros. Tinha a impressão de que efetuavam aqueles serviços, não muito bem
pagos e em lugares perigosos, Unicamente à espera de uma oportunidade para
enriquecer fosse como fosse. Ou então permaneciam no Oeste com nomes supostos
porque no Este os procuravam, e não precisamente para lhes concederem uma condecoração.
— Sente-se, O'Donell. Tenho aqui uma ordem chegada de Cansas
e que o afeta a si.
Denis O'Donell, um homem de quarenta anos, forte, de queixo
quadrado e olhos penetrantes, sobressaltou-se tão visivelmente que o coronel
Morgan quase riu.
— Afeta-me a mim?
— Sim. Não é você o cartógrafo deste forte, O'Donell? Mas
não se assuste, não é nada de pessoal. Se deixar de bufar, explico-lhe.
Denis O'Donell respondeu, com maus modos:
— Não tenho por que assustar-me, coronel. Recordo--lhe que
presto os meus serviços voluntariamente.
—Não tanto; creio recordar que recebe o pagamento todos os
meses. Basta de conversa, O'Donell. Ordenam-me que o envie para a zona de Lemhi
Range. Trata-se da grande depressão entre os rios Lemhi e Salmon que, como você
sabe, nunca foi explorada, pois a sua única estrada, através da planície Snake,
é muito difícil. O Governo quer um mapa o mais fiel possível de Lemhi Range,
pois decidiu instalar lá uma comunidade «quáquer» da Pensilvânia. Tenho aqui o
pouco que se conhece a respeito da região e sobre a única passagem que foi
ligeiramente explorada. Disporá de três meses para fazer esse mapa, O'Donell.
O cartógrafo protestou:
—Mas, coronel, essa região é selvagem! E território dos
«arapahos» e a entrada é quase impossível. São mais de duas semanas de viagem
até à passagem Saddle e para além dela ninguém sabe o que existe.
O coronel levantou-se, dizendo secamente:
— Você é cartógrafo, O'Donell. O seu trabalho é informar-nos
a respeito do que existe para lá dessa passagem. Os «arapahos» são pacíficos e
você sabe-o; as nossas informações dizem-nos que só há uma pequena tribo no
Lemhi. Será acompanhado por três guias que lhe prestarão toda a ajuda
necessária e caçarão para si. O tempo está bom para fazer o trabalho. Os
«quáqueres» estarão aqui, em Butte, precisamente dentro de três meses e
precisamos do mapa para lhes distribuir o território. Vocês terão de combinar
com os «arapahos» quais serão as suas zonas de caça, pois os «quáqueres»
utilizarão terras planas para a agricultura. Levarão uma mensagem para o chefe
Moose John. Nada de violências; esta é uma missão pacifica, não o esqueça. Não incomodem
os «arapahos» e muito menos as suas mulheres.
Denis O'Donell pegou nos papéis que o coronel lhe estendia,
de má vontade.
— Quando... devo partir?
— Imediatamente. Está tudo preparado. Os seus três guias
esperam-no no pátio, com os cavalos. Tem cinco minutos para reunir os seus objetos
pessoais.
— Dá gosto dar ordens — disse O'Donell entre dentes.
— Que diz?
— Nada, senhor. Felicitava-me pela minha sorte. Nada há tão
aborrecido como a vida plácida do forte. Vou preparar a minha bagagem.
Cumprimentou, retirando-se do gabinete. Estava furioso.
Sabia o que era levantar um mapa de uma região tão endiabradamente selvagem
como o Lemhi. Foi ao seu quarto e, rapidamente, meteu algumas roupas nos alforges.
Depois preparou os seus rudimentares instrumentos e uma caixa forrada de chumbo
que levava sempre para os seus trabalhos no campo. Meia hora mais tarde saiam
do forte, metendo para sudoeste, um caminho que se desviava da grande rota do
Oregão, que o Forte Butte servia como ponto de apoio.
Um dos três guias que acompanhavam o cartógrafo era um
perito em assuntos índios. Mas um homem tão desconfiado como O'Donell sabia que
ninguém era realmente perito em coisa nenhuma naquela região. Tinham chegado ao
Lemhi após uma dura viagem de doze dias, passando pela planície Snake, que
gelava no Inverno, e entrando na região através da passagem Saddle, a meia
ladeira do pico do mesmo nome. Denis O'Donell deixou-se guiar pelos seus
companheiros e aceitou o lugar que escolheram para acampar. Foi então que o
perito disse:
— Temos de esperar. Os «arapahos» vigiam-nos desde que
entrámos no Lemhi. E preciso esperar que eles se apresentem. Entretanto não
faremos nada; poderão tomá-lo como provocação.
— Ouça! Tenho muito pouco tempo para levantar um mapa deste
território, que é bastante maior do que eu pensava. Vejam onde se erguem
aquelas montanhas! Se não começamos depressa, não poderei fazer o trabalho.
— Não podemos fazer nada. Conheço o chefe Moose John. E
pacífico, mas muito orgulhoso. Temos de esperar que resolva apresentar-se.
O'Donell murmurou com desprezo:
— Orgulho um maldito índio «arapaho», que é uma das raças
mais atrasadas! Vocês vieram para proteger-me. Disparem contra esses demónios,
se vierem incomodar-nos!
Os três guias entreolharam-se. Chamavam-se Kingler, Step e
Zavala. Este último, que era o intérprete índio, foi quem respondeu ao
cartógrafo:
— Não se iluda. Há mais de mil índios nestas montanhas.
Tenha calma. Enviaram-nos para preparar a chegada dos colonos e não para
desencadear uma guerra. O Moose John não tardará em aparecer. Quando o fizer,
falarei com ele e dar-lhe-ei a mensagem do Governo. Procure ter calma e não se
mostrar demasiado depreciativo. Estas gentes são difíceis.
Denis O'Donell suportava mal os conselhos e pior ainda as
ordens. Mas teve de resignar-se e esperar. Passaram dois dias junto de um
arroio. Os guias faziam pequenas explorações, sem se aproximarem das montanhas,
e voltaram com a certeza de serem constantemente vigiados.
— Não disparem contra nenhum animal. Não podemos caçar sem
autorização de Moose John — avisava Zavala.
O cartógrafo perdeu a calma e replicou:
— Amanhã de manhã começo o meu trabalho, agrade ou não ao
seu chefe índio.
Entardecia quando O'Donell disse estas palavras. Step, que
amarrava os cavalos a uns ramos baixos, murmurou:
—Aí estão...
Os quatro homens olharam para o outro lado do arroio. Um
grupo de «arapahos», montando sujos cavalos de longas crinas, tinha aparecido
junto da margem, como por encanto. Eram oito, armados com arcos e lanças,
cobriam--se com gorros de peles e levavam sobre os ombros grandes mantas
coloridas.
Zavala ergueu a mão direita, saudando.
— Grande chefe Moose John. Temos uma mensagem do nosso
Governo para ti. Este homem alto é um homem sábio. Veio para desenhar em papéis
a forma deste grande vale, como tu autorizaste ao Governo, para que gentes
boas, venham viver nestas terras...
Moose John era um homem magro, de rosto inteligente. Tinha
cerca de cinquenta anos, idade muito avançada para um «arapaho». Os cabelos
eram brancos e o rosto muito enrugado.
— Os «arapahos» não querem as terras planas e deixam que as
famílias brancas cultivem esses terrenos. Mas as montanhas continuarão sendo
suas. O Governo dos homens brancos diz que viveremos em paz, que as famílias
brancas comprarão as nossas peles e a nossa caça. Assim deixaremos que vivam
aqui, mas que não tomem a nossa caça. Poderão fazer sulcos na terra e lançar as
suas sementes, mas nada mais. Isso foi o combinado.
Zavala assentiu.
— Sim, chefe Moose John. Agora este homem sábio pintará a
terra plana num papel e indicará onde se encontram as montanhas dos «arapahos»,
para que as gentes que vierem não entrem nelas. Estás de acordo?
— Estou de acordo.
Moose John voltou o seu cavalo, sem dizer mais. Os seus
homens imitaram-no e afastaram-se dali muito erguidos. Denis O'Donell riu
baixo.
— Parecem autenticamente cavalheiros nobres!
Zavala disse, gravemente:
— E são. Um rei e a sua corte. Completamente autênticos,
O'Donell. E melhor que não o esqueça, porque esses homens nunca deixarão de nos
vigiar. Amanhã irei pedir a Moose John autorização para caçar. Pode começar o
seu trabalho quando quiser.
Denis O'Donell resmungou:
— Preciso de luz e já está a anoitecer. Começaremos amanhã,
senhores.
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