Na pequena choça só se ouviam os soluços de Deborah, a bela «quáquer». Olhava para Roscher, estendido sobre os ramos que cobriam o solo, inconsciente e bem amarrado.
Moose John, o chefe «arapaho», que a jovem contemplava com
medo, disse:
— Acalme-se. Não está morto. É jovem e forte. Você, que está
mais perto dele, afaste com os pés esses ramos. Há neve debaixo deles. Deixe
que o seu rosto toque a neve. Ajudá-lo-á a despertar.
Estavam sozinhos. O'Donell e os seus cúmplices tinham
partido. Deborah conteve as lágrimas e estendeu as pernas para afastar com os saltos
das botas os ramos sobre os quais «Montana» estava estendido. Pouco depois o
rosto do homem pousava sobre a neve.
— Mataram-no! — disse Deborah.
— Não. Abre os olhos — respondeu Moose John.
Roscher «Montana» agitou-se. O frio da neve devolvia-lhe a
consciência. Abriu os olhos, girando um pouco a cabeça. A primeira coisa que
fez foi sorrir a Deborah. Depois perguntou ao chefe índio:
— Você é Moose John?
— Era — respondeu o índio.
— Voltará a sê-lo. O seu filho e alguns dos seus homens
estão perto daqui. Agora tentaremos cortar estas cordas. Já calculava que o O'
Donell me dispensasse uni acolhimento deste género. E que só me tirariam os revólveres...
Tateou nas costas à altura da cintura. Tinha uma faca presa
ao cinturão-cartucheira. Levantando a samarra, conseguiu chegar à lâmina. As
cordas foram cortadas.
Moose John, que tinha permanecido muitos dias amarrado,
quase não conseguia manter-se de pé. Deborah ajudava-o, enquanto Roscher
levantava as peles e as mantas que cobriam o ouro amontoado por O'Donell.
— Compreendo que esse miserável quisesse manter Lemhi Range
fechado aos colonos!
— Fui eu o responsável! Quis que se mostrasse favorável ao
meu povo, que não empregasse o seu poder em nós, e trouxe-lhe umas pepitas. Mas
ele quis mais e mais. — explicava Moose John.
— Esse homem não tem poder algum, chefe. Olhe!
«Montana» abriu a caixa de metal, mostrando os cartuchos de
dinamite. Explicou ao chefe em que consistia a sua força e como se usava.
— Enganou-os preparando os rebentamentos. Possivelmente tem
outros preparados para os assustar, se se negarem a trazer-lhe mais ouro.
Deborah segurava o chefe, enquanto Roscher chegava à porta
da choça e agitava os braços. O filho do chefe «arapaho» e os seus homens
aproximaram-se então, com os cavalos. Moose John e o seu filho limitaram-se
olhar-se. Estavam sem dúvida comovidos, mas nem sequer sorriram.
— Esses homens foram-se, pai. Vimo-los passar ao longe... —
disse Moose Red.
«Montana» indicou os fardos com o ouro.
— Voltarão. Devem estar a vigiar a caravana. Possivelmente
tentam averiguar se nos seguiram. Mas voltarão. E antes que o façam tentaremos
desmontar os rebentamentos que devem ter preparado.
Era simples. Não havia demasiados lugares em torno da choça
onde pudessem montar-se rebentamentos espetaculares.
«Montana» encontrou facilmente as mechas preparadas e os
cartuchos. Os «arapahos» observavam-no, primeiro com receio; depois, eles
próprios começaram a procurar os explosivos.
Acabavam de descobrir um novo segredo dos homens brancos,
acabavam de perder o medo a um mistério.
*
Começava a soprar um vento que tornava mais difícil caminhar
sobre a neve. Denis O'Donell amaldiçoava o frio, até que Step lhe disse,
gritando-lhe:
— Não protestes, esta neve está a tornar-nos ricos!
O'Donell riu. Os três levavam raquetas sob as botas. A neve
tinha endurecido muito. Tentaram encontrar o rasto de Roscher e da rapariga,
mas já tinha desaparecido.
— Não é preciso, sei orientar-me — disse Step. — Dentro de
duas horas estaremos sobre a caravana.
— Pode ser que tenham continuado a viagem — opinou Kingler.
— Impossível! Não podem mover-se na encosta.
O'Donell resmungou, aborrecido:
— Mas poderão seguir o Roscher e a rapariga e irem ter à
cabana. E fá-lo-ão muito em breve, se não o impedirmos.
Não foram duas horas, mas sim quatro as que tardaram em
alcançar a montanha, subir pela passagem e chegar à vista da encosta onde a
caravana continuava detida. Step indicou um alto rochoso, de onde poderiam
dominar a encosta. Os três homens colocaram-se nele. Lá em baixo os carroções
pareciam brinquedos. Das fogueiras elevava-se fumo. Tudo era silêncio.
— Refugiaram-se nos carroções, ou meteram-se debaixo deles.
Malditos estúpidos! Não se perderá grande coisa se nunca chegarem ao Lemhi!
Deviam ter ficado nas suas casas, nas suas terras, com os seus fatos negros e a
sua seriedade! Ajudem-me!
— Que vais fazer, Denis?
— Impedir que esses desgraçados morram de frio, lentamente,
à porta da sua terra de promissão.
Kingler, que era bastante ingénuo, murmurou.
— Vamos levá-los para a planície?
O'Donell nem sequer lhe respondeu. Tinha tirado de dentro da
samarra duas das suas preciosas barras castanhas. Pondo-se de joelhos atrás de
uma rocha começou a remover a neve junto da base dela; depois usou uma faca.
Finalmente, os dois companheiros ajudaram-no.
Os explosivos foram colocados. O'Donell acendeu a mecha de
enxofre e retrocederam os três, protegendo-se atrás de outra rocha. A explosão
não foi muito ruidosa, mas a enorme rocha rolou pela encosta, arrastando
outras.
O'Donell tinha escolhido perfeitamente o sítio para iniciar
a avalancha. Os três homens, estendidos sobre as pedras, viram como a enorme
massa de neve e rochas, misturada com terra, ia aumentando de volume,
provocando pequenos estalos, arrancando pela base árvores inteiras.
Step empalideceu, murmurando:
— Vai cair sobre eles meia montanha!
O'Donell sorria, molhando os lábios. Já a grande massa que
descia pela encosta lhes escondia a caravana imobilizada. Um grande ruído
aturdia-os. E por fim a avalanche caiu sobre o acampamento, os carroções
saltaram no ar para serem imediatamente absorvidos pela massa; o estrondo
foi-se afastando e com ele a avalancha, que por fim se foi convertendo noutras
mais pequenas, que desapareceram no vale.
Os três homens ficaram em silêncio. Na encosta não havia o
menor sinal da caravana dos «quáqueres»; pessoas, cavalos e carroções, tudo
tinha ficado enterrado sob a neve.
— Assunto arrumado. Agora poderemos ficar todo o Inverno no
Lemhi, recebendo tranquilamente o ouro dos «arapahos» — disse O'Donell.
— Não haverá sobreviventes, Denis? -- perguntou Klinger.
—Nem um. As montanhas são traiçoeiras. Só restam os dois que
temos na choça. Pensei matar o rapaz e ficar com a pequena. Sempre é bom ter
uma mulher em casa.
Esperaram cerca de quinze minutos, mas nada se movia ao
fundo da encosta. Conseguiram ver as varas de um carroção emergindo da neve,
mas mais nada. Silêncio e quietude absolutos! Denis O'Donell levantou-se, muito
satisfeito. Os seus amigos imitaram-no. O vento soprava com mais força e
voltaram-se para iniciar o regresso à choça.
Então viram Roscher «Montana». O jovem guia, montado num
cavalo índio sem sela, um cavalo capaz de mover-se com certa facilidade sobre a
neve, acabava de chegar ali. Roscher tinha-se detido. Sem dúvida via a encosta.
Estava muito pálido.
O'Donell não perdeu tempo em discutir o assunto, Era sem
dúvida um homem de ideias rápidas, pois enquanto «Montana» gritava já ele tinha
empunhado um, revólver. Apesar das grossas luvas que tinha calçadas, conseguiu
armar a arma e dispará-la em poucos instantes.
Roscher «Montana» saltou do cavalo, como se o chumbo lhe
tivesse acertado, e o gorro de pele foi-lhe arrancado da cabeça. O guia rolou
sobre a neve até ficar quase junto dos pés de O'Donell, que o tinha seguido com
a arma e apertava novamente o gatilho. Mas desta vez não conseguiu terminar o
gesto.
Do solo partira uma seca detonação e a bala entrou no queixo
do cartógrafo, destroçando-lhe o cérebro. Denis O'Donell, que era naquele
momento um dos homens mais ricos do país, ainda que não tivesse podido gastar
nem um cêntimo da sua fortuna, crispou-se brutalmente, caindo de costas.
Step e Klinger olharam para ele, surpreendidos; já tinham
empunhado as suas armas; não eram tão rápidos como Denis O'Donell, mas tentaram
imitá-lo.
«Montana», quase sem se mover, meio enterrado na neve, fez
fogo por duas vezes com o seu «38». Os dois guias tombaram quase a seu lado. Um
deles deixou cair o revólver, que bateu na cara de Roscher, fazendo-lhe uma
pequena ferida. «Montana» endireitou-se, respirando com força; ainda não sabia
se tinha sido ferido. Quando comprovou que tinha apenas um arranhão na cara,
chegavam os «arapahos», comandados por Moose Red.
— Tiveste muita pressa; esse homem era nosso — disse o jovem
índio.
— Lamento. O senhor O'Donell furou o meu gorro de pele. E
momentos antes... — «Montana» olhou para a encosta. — Momentos antes acabava de
assassinar cinquenta pessoas inofensivas e pacificas...
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