— Moose Red. O filho do chefe...
Roscher «Montara» tinha virado um dos cadáveres estendidos
sobre o gelo. Era o do filho do chefe «arapaho». Depois comprovou que nada
podia fazer-se por nenhum dos outros.
— Perfuraram o gelo. Isto quer dizer que era o grupo
encarregado de devolver o ouro ao seu lugar de origem. E também que os
assassinos levaram o ouro. Os pacíficos «quáqueres»! E um deles era o homem que
estava destinado à Deborah!
Examinou os arredores. Quando Moose John descobrisse o
assassínio do filho, o Lemhi Range ia pôr-se ao rubro. «E esses infelizes sem
armas, meio gelados, que me esperam...».
Tinha deixado o «Patriarca» e a sua gente abrigados numa
depressão de terreno. Um local bom para suportar melhor o frio, e também ideal
para receber um ataque dos «arapahos», que os encontrariam facilmente. «Devo
voltar para junto deles... ainda que... de que valem dois revólveres? São
centenas de arcos e lanças. A única esperança para os «quáqueres», para
Deborah, está em que eu encontre os assassinos antes que o Moose John encontre
estes cadáveres».
Roscher voltou para o seu cavalo. O tempo estava a piorar e
ao entardecer chegaria uma tempestade; e as tempestades eram terríveis no
Lemhi, naquela época do ano. «Esses homens não puderam carregar os sacos. Levaram
os cavalos dos índios, mas não poderão montá-los. Não chegam para todos».
Verificou os poucos víveres de que dispunha. Subiu para a
sela e dispôs-se a perseguir os assassinos, cujo rasto tinha sido completamente
apagado pelo vento.
— Vão perseguir-nos, Jonathan! E a ideia de sair do Lemhi
pelo Oeste é uma fantasia! Não fazemos ideia de onde haverá uma passagem! Vamos
morrer de frio enquanto a procuramos; ou de fome, que já quase não temos
comida!
Jonathan ocupava-se a colocar montes de ramos sobre as
barras que os cavalos arrastavam, para evitar que se enterrassem na neve,
deixando um rasto que permanecia muito tempo.
— O que tiver medo pode voltar para o Este. A passagem para
Butte conhecemo-la todos. Mas sem levar o ouro. No Forte seríamos enforcados
pela morte dos índios.
Cobriram a fogueira com neve e meteram as suas coisas nos
alforges, que primeiro tinham transportado aos ombros, mas que carregavam os
cavalos agora. E voltaram a caminhar puxando os animais, que não comiam havia
muito tempo, já que a pastagem estava coberta pela neve. Os cavalos perdiam as
forças rapidamente; viajantes mais experientes teriam notado esse perigo, mas
os «quáqueres» não eram experientes e tinham medo. Por isso puxavam sem
descanso pelos pobres animais.
Na planície, a ventania era mais intensa, Jonathan animava e
ameaçava os seus companheiros. Por fim, a noite terminou com o suplício.
Tiveram de deter-se. Atiraram-se para o solo junto de um talude, amontoados uns
sobre os outros, e envolveram-se nas mantas. Jonathan nem pensou em procurar
comida para os animais.
Ao amanhecer despertaram aterrados. Quase não podiam pôr-se
de pé. Mas conseguiram retomar a marcha. Jonathan dizia aos outros que estavam
perto do limite Oeste do Lemhi.
— Do outro lado dessas montanhas acaba o perigo dos
«arapahos»! Seremos livres e ricos. Poderemos comprar carroções, bons cavalos,
víveres e continuar para a costa.
Era exato, em parte. E em breve o verificaram. Porque as
montanhas eram altas e sem caminho algum entre elas. A neve tinha-os fechado
todos.
— Tem de haver uma passagem! — rugia Jonathan. — Tem de
haver!
— Mas nós não a conhecemos! Ficámos apanhados no fundo deste
enorme saco! Por isso os índios não nos atacaram. Estavam à espera de que nos
metêssemos aqui, para acabarem connosco sem o mínimo perigo.
— Encontraremos a passagem! Não nos deterão estas malditas
montanhas!
Um dos homens voltou-se subitamente, gritando:
— Aí estão! Disparou o seu revólver, loucamente.
Jonathan caiu sobre ele, desarmando-o com um murro.
—Imbecil! Assustou-te o movimento de um arbusto! E o teu
tiro deve ter sido ouvido muito longe!
Os quinze homens, a quem o cansaço tornava mais irritáveis,
começaram a discutir. O que disparara o revólver quis bater em Jonathan; houve
momentos de grande confusão.
O «Patriarca» ter-se-ia assustado ante a violência contida
daqueles homens, que tinham sido pacíficos, durante muito tempo, pelo menos
aparentemente. Por fim, Jonathan conseguiu dominá-los.
—Basta! Querem morrer todos atravessados pelas setas dos
índios? Pode ser que este tiro nos ajude! Calma!
O som do tiro atravessou metade do Lemhi Range. Depois foi
absorvido pelo ruído da tempestade. Não chegou até ao ponto onde os «quáqueres»
esperavam, nem à montanha dos «arapahos», mas Roscher «Montana» ouviu-o.
«Tentam fugir por Oeste. Estão loucos! Podem ter disparado contra uma lebre, ou
talvez já estejam a matar-se uns aos outros.»
Não era possível ao seu cavalo galopar sobre a neve.
«Montana» tinha dormido no fundo de uma cova, ao calor do animal, como faziam
os índios. E gastara mais de meia hora a afastar neve para procurar pasto para
o seu companheiro.
Quando ouviu o tiro já a manhã ia adiantada e o seu temor
aumentou. «O Moose John enviará os seus homens para aniquilarem os colonos logo
que souber que o filho morreu. Pode ser que até já tenha acontecido, enquanto
eu procuro os assassinos...»
O tiro fê-lo compreender que não estava longe dos quinze
fugitivos. Desviou o cavalo, subindo por uma encosta. E ao chegar a certa
altura viu-os. Avançavam com esforço, quase arrastando os seus cansados cavalos
por entre as rochas. Contou-os. Sabia que estavam armados e que não se
importavam de matar.
Voltando a descer, Roscher iniciou um rodeio que deveria
colocá-lo à frente dos «quáqueres». Tinha cessado de nevar. Empunhou um
revólver, comprovando que o tambor estava carregado. O seu cavalo não provocava
o menor ruído. Desmontou junto de um montículo.
Minutos depois ouvia o arquejar dos homens e dos cavalos. Empunhou
o segundo revólver, armando os dois. Apareceu no caminho quando o grupo de
homens e animais ia passar sob o montículo. Disse, com voz forte:
— Quietos! Não toquem nas vossas armas! Detenham os cavalos!
Os «quáqueres» obedeceram. Roscher observava-os, tentando
contá-los. Antes que o terminasse, disseram atrás dele:
— Falta um, sim, senhor «Montana»! Não foi muito esperto,
para um homem da sua experiência. Nós, pobres homens do campo, conseguimos
surpreendê-lo. Deixe cair os seus revólveres, senhor «Montana». Não sou um especialista,
mas à distância a que se encontra acertar-lhe-ei no coração.
«Montana» deixou cair as armas, que se cravaram na neve.
Jonathan aproximou-se, mantendo-se sempre a certa distância. Roscher olhava-o
fixamente.
— Você... o prometido da Deborah. Abandonou-a! Todos vocês
abandonaram as vossas famílias e amigos. Sabem o que é que os índios farão, com
eles quando descobrirem os cadáveres que vocês deixaram sobre o gelo? Um
daqueles homens era o filho do chefe. As vossas famílias e os vossos amigos vão
ser aniquilados, Jonathan! Matarão a Deborah! Isso não lhe importa?
Jonathan sorriu.
— Pelo menos, assim não ficará para si, «Montana».
Perdemo-la os dois. E eu poderei esquecer o passado, incluindo a recordação da
Deborah.
«Montana» voltou a cabeça, olhando para os outros homens,
que arquejavam esgotados, junto dos cavalos índios.
— Vocês pensam do mesmo modo? Vão abandonar definitivamente
os vossos por esse pó dourado? Não se importam que os matem?
Jonathan gritou, agitando o seu revólver:
—Não perca tempo, «Montana»! Além disso, já não podemos
retroceder! Matámos os índios por causa desse ouro, e agora não só defendemos a
nossa riqueza como defendemos também a nossa vida! Só estaremos a salvo do
outro lado da montanha!
Roscher respondeu, calmamente:
— Nunca conseguirão passar para o outro lado nesta época. Os
«arapahos» encontrá-los-ão muito antes. Dispare de uma vez, Jonathan! Você
lançou estes homens nesta aventura suicida porque perdeu a Deborah! Eu
tirei-lha, ela ama-me a mim! Dispare de uma vez!
Jonathan apertou os lábios. A sua arma moveu-se um pouco,
adiantando-se para «Montana». Mas não disparou. Em vez disso, pós-se a rir.
— Não vou disparar, amigo. Se alguém pode encontrar uma
passagem entre essas montanhas, esse alguém é você, o melhor guia de Butte.
Quando vi que nos seguia, compreendi a nossa sorte. Você vai guiar-nos.
«Montana» negou, resolutamente:
— Nem pense nisso.
— Sim, vai guiar-nos. Entre outras razões, porque é o único
modo de salvar a vida.
— Não se iluda. Não disparará contra mim enquanto esperar
conseguir convencer-me.
— Claro, «Montana». Mas os «arapahos» não sabem quem fazia
parte do grupo que aniquilou os seus e quem não fazia. Matar-nos-ão a todos
quando nos alcançarem. E a si também, amigo. Seria inútil dizer-lhes que é bom
rapaz, que não pertence ao nosso grupo, que o ouro o deixa doente, que o
despreza... Matar-nos-ão a todos. De modo que uniu-se agora ao nosso grupo e
terá de salvar-nos a todos se quiser salvar-se a si mesmo.
Roscher fechou os olhos. Eram quinze homens armados e
vigilantes. Também esgotados e assustados... Aceitariam facilmente que ele
quisesse salvar a sua vida com a mesma ânsia que sentiam.
— Quem me garante que, quando chegarmos ao outro lado, vocês
não me matarão? — perguntou, como hesitando.
— Ninguém, «Montana». Esse é o risco que corre. Tudo depende
da lealdade com que nos ajudar — disse Jonathan.
«Montana» apontava para os seus revólveres. Jonathan negou.
— Não precisa deles para encontrar o caminho. Nós
dispararemos, se for preciso. Retroceda um pouco.
Roscher obedeceu e Jonathan apanhou-os, com ar de admiração.
— Eu tratarei deles... Agora trate de orientar-se,
«Montana». Não temos muito tempo. Diga-nos qual é o caminho...
Sem comentários:
Enviar um comentário